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Renato Bezerra de Mello

De onde os rios se encontram para formar o mar

Como se quisesse ler as correntes do oceano, venho observando, da janela da casa materna, o mar da praia de Boa Viagem, na cidade do Recife, ao nordeste do Brasil, lugar aonde nasci. Esta praia e este mar, são os primeiros que conheci: são os lugares aonde ainda me sinto em casa, livre da desconfortável estranheza que me atinge pelo resto da cidade, depois de uma partida de mais de trinta anos. Não sem razão, ou sentimento, me interessa mais a sua paisagem em dias cinzentos, quando as nuvens cobrem quase tudo e a chuva martela, insistentemente, as janelas. Quando fui convidado para participar da programação do Carpe Diem Arte e Pesquisa, encontrava-me no Recife e pensei imediatamente neste mar que nos une. Passado este primeiro momento, e tendo passado por diferentes caminhos à procura, voltou o mar ao meu universo. Desta vez, através de centenas de rolos de papel vegetal que vem sendo cobertos e recobertos por linhas em diferentes tons de azul, numa alusão às infinitas cores e ao movimento incessante de mares e oceanos. Observar o mar, assim como o gesto de traçar riscos sobre folhas de papel, estende os sentimentos de espaço e tempo, e cria um lugar de calma, no interior do qual pode-se espantar com a simplicidade. A obra que vai surgindo entrecruza tempos e lembranças; manifesta questões relativas à memória e ao esquecimento; dá-se à livre associação de ideias. E refere-se a uma infinidade de coisas que talvez possa apenas adivinhar, sem jamais ter a certeza do que são. Imaginando que irá ocupar a antiga cozinha na cave do Palácio Pombal - talvez a mais bonita e misteriosa sala do lugar - fico pensando em quando a Biblioteca dos Reis de Portugal, já no Rio de Janeiro, expandiu-se pelas catacumbas de um convento Carmelita. Serão meus mares e oceanos também obras raras? Documentos secretos de uma biblioteca perdida? Sobre uma longa mesa de madeira, situada entre as colunas da antiga cozinha, centenas de rolos serão dispostos lado a lado, uns sobre os outros. Azuis infinitos. Ao seu redor três pequenos monitores mostrarão os dias cinzentos em Boa Viagem - uma câmera aberta e duas outras em zoom, quando afinal, só se poderá ver o mar, sem praia nem horizonte. Para ler as correntes do oceano, enquanto a chuva martela as janelas da casa.

BIOGRAFIA

Renato Bezerra de Mello (1960). É no universo das memórias, das cópias e reproduções que Renato desenvolve o seu trabalho, constituindo o que poderíamos chamar de uma memória ficcional, que se refere à noção de uma história da arte que não se orienta apenas por critérios formais, mas como representação de si. Formado em arquitetura, no Recife, Renato desenvolveu sua vida profissional no Rio de Janeiro, voltando-se inicialmente para a conservação e restauração de bens tombados. No ano 2000, dando continuidade aos cursos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, participou de um intercâmbio com a École nationale supérieure des beaux-arts, em Paris, aonde permaneceu até o final do ano 2006, iniciando uma nova fase em sua vida, inteiramente dedicada às artes visuais. Desde 2002 participa de exposições individuais e coletivas em instituições culturais, galerias e feiras de arte internacionais. De retorno ao Brasil, escolheu mais uma vez a cidade do Rio de Janeiro, como lugar para viver e trabalhar. Foi participante da primeira edição da Leitura de Portfolios do CDAP, no seguimento da qual foi convidado para uma residência.

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